psicanálise para quê?

Friday, November 26, 2010

DIVERSIDADE SEXUAL( TEXTO APRESENTADO NO SEMINÁRIO: ESTATÍSTICA E INDICADORES SOCIAIS. NA UFRJ EM 18/11/2010.

Sabemos que o Censo, mais conhecido como recenseamento demográfico, é uma pesquisa sobre a população que traz informações tais como número de habitantes, como vivem as pessoas, qual a renda e composição familiar, dados de raça e religião, etc... Mas hoje em dia nos mostra principalmente como nos transformamos e nos diferenciamos ao longo das décadas. Pois houveram mudanças nos padrões não só demográficos, socioeconômicos e de organização espacial da população, mas principalmente nos costumes da população.

E é justamente sobre esses costumes que desejo falar. Pois não sei se todos sabem, mas foi incluído no Censo 2010 uma nova pergunta:

“Quem vive com você é do mesmo sexo ou do sexo oposto ao seu?”

Pergunta esta que vem trazer visibilidade ao número de casais homossexuais que vivem juntos ou "casados". Fizeram uma contagem parcial do número de homossexuais existentes no Brasil. Mas por que será que surgiu essa pergunta?

Todos nós sabemos que a homossexualidade existe desde a Grécia Antiga e que até hoje existem países onde a homossexualidade é punida com prisão e até morte. Agora, vamos ver o que é a homossexualidade?

Freud, o pai da psicanálise, que veio desvendar as questões mais obscuras da mente humana, possuía uma compreensão acerca da sexualidade humana como “perversa polimorfa”, ou seja, como, ao nascermos, não temos inscrito no nosso inconsciente qual é o nosso próprio sexo anatômico e muito menos qual é nosso objeto do desejo sexual, a princípio, “todos seres humanos são capazes de fazer a escolha de um objeto homossexual e que de fato, esta escolha foi consumada no inconsciente.” Ele dirá também, referindo-se a estrutura psíquica "normal", que originariamente somos todos bissexuais. Essa organização psíquica se constitui na primeira infância, ou seja, entre 0 e 3 anos de idade.

Em 1930, Freud assinou a primeira petição discriminalizando a homossexualidade e em 1935, dirigindo a mãe de um homossexual, afirmou que “a homossexualidade não é motivo de vergonha, não é uma degradação, não é um vício, e não pode ser considerada uma doença”. Mas foi somente em 1973 que a American Psychatric Association (associação psiquiátrica americana), deixou de considerar a homossexualidade como doença e isso se deu somente porque ativistas gays em 1970 e 1971 invadiram o encontro anual da APA. Ao mesmo tempo aconteciam outras manifestações nos EUA tais como a Stonewall, que vocês devem ter visto naquele filme “Milk”.

Mesmo assim existiam movimentos contrários ao da APA, como por exemplo 200 assinaturas colhidas na IPA – Associação Internacional de Psicanálise, que se colocavam contra e fizeram inclusive um manifesto tentando impedir a retirada da homossexualidade da lista de doenças.

Mas foi só em 1993, que a OMS – A Organização Mundial de Saúde – retirou a homossexualidade da lista de doenças. Vamos olhar para essas datas, porque que a humanidade tem tanta resistência a uma coisa tão normal quanto a homossexualidade?

Essas datas só nos mostram a enorme resistência da humanidade em aceitar sua homossexualidade recalcada. Pois de acordo com a própria questão da “perversão polimorfa”, em nossa infância, necessariamente teremos de fazer uma escolha do objeto sexual e deixaremos as demais possibilidades recalcadas. E para a maior parte dos sujeitos o que fica recalcado ou é a homossexualidade ou a heterossexualidade. Em minha prática clínica de mais de 30 anos sempre me surpreendeu aquelas pessoas que não questionaram em algum momento sua sexualidade, pois ela é sempre questão em todos os seres humanos.

E aquilo que vemos no social é que quanto maior for nossa dificuldade em aceitar em nós a homossexualidade recalcada, maior a possibilidade que temos de fazer deste outro, que pensamos ser tão diferentes de nós, objetos de nosso ódio, daí é que vemos tantas agressões e até assassinatos.

Voltando a questão dos homossexuais que foram parcialmente contados no Censo 2010 e sabendo que toda resistência sobre a sexualidade é inconsciente, arrisco-me a pensar o seguinte:

Lacan, ao pensar sobre os registros do funcionamento psíquico da realidade humana, nos diz o seguinte: Aquilo que está no real precisa ser simbolizado, pois o que existe no real, caso não seja simbolizado, retorna para o mundo de modo fantasmático. Ou seja, existem casais homossexuais que estão “casados” no Brasil, isto é real. O Censo 2010 começou a dar visibilidade a esses casais contando-os e isto os registra, certo? Isto é simbólico. Será que isto é um dado positivo que irá embareirar a fantasmagoria da falta de respeito aos gays e fazer com que haja uma mudança na lei de “união estável” no código civil? Código este que, perversamente, sobrepuja a soberania da Constituição Brasileira, onde está escrito que todos os cidadãos são iguais perante a lei?
Penso também que, enquanto formos tão atrasados e ignorantes, teremos que ter várias classificações para os seres humanos, que deveriam a meu ver serem nomeados somente assim: seres humanos.

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